TODA MULHER TEM UM POUCO
De puta, de criança, de maluca. Toda mulher tem um pouco. Falo por mim
porque vivi pouco tempo para fazer afirmações maiores. Falo por mim
porque estou egoistamente presa na minha própria descoberta e
existência. Mas pelo que tenho visto por aí, toda mulher tem um pouco de
tudo. E como é difícil ser feliz com tantos poucos para agradar. Fora
os milhares de hormônios que tornam cada um desses poucos mais do que dá
para aguentar. E a cada suspiro, meus poucos se atrapalham: estou feliz
ou com medo?
Estou cansada ou excitada? Estou carente ou encantada? Estou fria ou
fugidia? Numa única noite eu fui um pouco tudo, eu quis um pouco de
tudo. Quando alguém vai acompanhar meu ritmo? Eu quis que ele não
soubesse meu nome, depois quis ter o dele logo depois do meu. Eu quis
que ninguém soubesse de tamanha traição. Depois quis gritar na janela
como o proibido era sopro no meu coração.
Eu quis sentir o poder de abalar com a vida dele. Depois quis que ele
voltasse direitinho pra casa e esquecesse que existe a fraqueza. Eu quis
ele por uma aventura, uma risada, uma distração. Depois quis o colo
dele para sempre, mas fiquei com o meu pouco puta estampado na cara.
Como eu preciso ser amada meu Deus, pra parar de dar de bandeja o meu
sorriso por aí. Eu tenho meu pouco criança estampado em cada linha que
escrevo e em cada bobeira que falo na espera de atenção. Maluca? Nas
raras vezes que sou séria, me sinto tão maluca, que devo ser sempre
maluca. De pouco em pouco encho o papo de ansiedade.
Quando o muito virá? Eu nunca poderia ser feliz sem meu pouco trágica.
Eu nunca posso estar satisfeita sem meu pouco idealista e eu nunca
poderei ser mulher porque ainda falta pouco, muito pouco, mas eu sei que
sempre faltará. Me completo de poucos, mas sigo esperando demais de
tudo. Comida para cada um desses poucos que são buracos na minha alma.
Meu pouco puta, safada, tarada, não tem um pingo de compostura. Meu
pouco criança sofre e se diverte com o meu pouco louca. Meu pouco adulta
perdoa tudo porque tem total consciência do meu pouco criança. Mas cada
pouco espera o grande momento. A grande virada. O longo suspiro de paz.
Cada pouco espera o colo, a excelente trepada, o beijo silenciador de
neuroses, o abraço aquecedor de angústias. Cada pouca criatividade
espera o salário digno, o carro novo, o cheiro de cada coisa minha
conquistada. Corro no desespero desses dias, da vida que virá, dos
sonhos realizados, da felicidade, do sorriso banguelo da pureza infinita
de um ser gerado por mim. Da luz. Meu pouco pessimista sabe que nada
disso pode acontecer. Mas sigo com meu pouco otimista, aprendendo que
ele a cada dia aumenta um pouco. Quem em cada pouco põe tudo que é
merece ser feliz.
Tati Bernardi
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